sábado, 25 de julho de 2009

Genoveva Lino: Na família não há chefe.

Genoveva Lino: Na família não há chefe

A ministra da Família e da Promoção da Mulher é pela paridade

Senhora ministra, estamos num país sem dados es- tatísticos sobre o número de famílias que temos, não sabemos que famílias são encabeçadas pelo pai, pela mãe ou pelo irmão mais velho, não sabemos quantas vivem nas cidades e quantas estão no campo, como é que se tra- balha neste cenário?

É verdade que não temos estes dados estatísticos, há já vinte anos que não se faz um censo. Mas vamos trabalhando com os dados que as instituições têm, com os fornecidos pelos governos provinciais. Quando tivermos um censo estaremos em condições de trabalhar com dados concretos, hoje, mesmo o número de angolanos que se aponta, catorze milhões, é uma estimativa.


E haverá uma forma, mais ou menos precisa, para caracterizar a família angolana quanto ao comportamen- to, estrutura e forma de estar no campo e na cidade?

Vamos tendo alguma percepção, mas a vida no campo não é igual à da cidade, isso é verdade. E com a reabilitação e construção de estradas já começa a haver movimentação das famílias, mesmo no campo. As famílias rurais já conseguem trazer os seus produtos até às estradas. Começa a chegar, já, alguma tecnologia de informação ao meio rural, daí que alguns hábitos e costumes também se comecem a alterar. As famílias dos centros das cidades têm mais recursos e mais oportunidades, mais serviços do que no campo. Temos efectuado um périplo pelo país (fazemo-lo de carro para ter melhor percepção das coisas), e vemos como os programas dos governos provinciais se vão estendendo pelo interior, embora ainda haja muito por fazer. Tendo em conta o grau de destruição a que o país esteve submetido, pode- mos dizer que nestes sete anos de paz muito foi feito e as famílias começam a produzir, agora até temos casos de défice de escoamento dos produtos.


E do que observa nesses périplos, e com as campainhas que alertam para a perda de valores e para os pe- rigos para a família. Fala-se na perda de valores, no desmembramento, etc., a família angolana ainda é algo recuperável ou está tudo perdido?

Há uma quebra muito grande de valores mas ainda é possível recu- perar. Na décima primeira sessão do Conselho de Família, realizado em Maio em Cabinda, levamos alguns casais de várias idades para que passassem o seu testemunho, e é possível ver que ainda há famílias que mantêm a tradição. Ainda é possível recuperar. Estamos num processo de reconstrução do país, reconstrução física e também social e das famílias. Algumas famílias que andavam dispersas hoje já se vão reencontrando, e isso consolida as famílias, novamente. Acreditamos que com trabalho conjunto e se juntarmos sinergias, conseguiremos recuperar os valores perdidos.


Qual é a ideia do Governo, recuperar a família com base nos valores cris- tãos, com base na estrutura tradicio- nal bantu, ou devemo-nos render à realidade da modernidade em que as famílias já não são o que eram?

Nós primamos pela família tra- dicional. Como africanos, o nosso conceito de família é o de família alargada. Deixe-me dizer que participei, em mil novecentos e no- venta e cinco, ou noventa e seis, no Canadá, numa conferência mundial sobre a família, em que mesmo nos países mais desenvolvidos, particularmente os europeus, em que a família é pai, mãe e filho, já começam a estar preocupados com este núcleo familiar tão reduzido, já começam a fazer campanhas para que nasçam mais filhos e a valorizar os outros membros da família O avô, o tio, o vizinho também fazem parte da família. Na Europa o tecido social está envelhecido, há mais gente velha que nova, em alguns casos, o que leva a que muitos países se vejam forçados a recrutar mão-de-obra de fora. Porque as famílias eram um modelo de três pessoas, hoje já se apela para que se façam mais filhos e, também, pela maior unidade da família.


Quando defende a família alargada, que conta com o avô, etc., já alguma vez em Conselho de Ministros e em conversas com os seus colegas de governo, levantou a preocupação com o tipo de habitação que se está a construir, com dois/três quartos?

Há uma comissão da habitação para tratar deste assunto. Este mi- nistério, como órgão de advocacia, não deixa de levantar este assunto, mas acreditamos que nos próximos tempos esta comissão se irá pro- nunciar relativamente ao tipo de construção de casas que têm de ser feitas. Também acreditamos que o tipo de residências que estão a ser feitas até agora surgiram de uma base de emergência, fez-se o que estava ao nosso alcance, mas agora estamos em condições de todos os sectores do governo estudarem com pormenor a realidade do que somos, do que queremos (o angolano gosta de ter o seu espaço para a sua horta, para a família, etc.).


Qual é o maior problema da família angolana, habitação, acesso ao cré- dito ou a segurança?

Ainda temos todos os proble- mas. Atribuímos muitas situações à pobreza, mas houve um agrava- mento da situação das famílias e dos angolanos durante as décadas de guerra. Luanda é das províncias que albergam o maior número de angolanos, foi o refúgio para muita gente, algumas destas pessoas vieram a pé. Essas pessoas perderam o que tinham, incluindo o seu espaço. É um pouco de tudo o que tem de ser feito e estão a ser feito esforços para resolver todos os problemas. A habitação está entre os maiores problemas, durante a guerra não deixaram de nascer crianças, a guerra terminou e muitas dessas crianças tornaram-se homens, o processo de reprodução é um pro- cesso natural, essas crianças nascidas na guerra hoje são homens e criaram famílias mas continuam em casa dos pais, do tio ou do avô. Nos sistemas de educação e da saúde também tem havido muita melhoria, mas ainda vai havendo problemas. Temos muitos anos para a frente para trabalhar, para criar o máximo de estabilidade social, o que não significa que se resolva tudo. Daqui a duzentos anos teremos ainda problemas, tal como os tiveram os nossos avós.

SAÚDE, EDUCAÇÃO E HABITAÇÃO, AS GRANDES PRIORIDADES PARA AS FAMÍLIAS


De entre as dificuldades actuais qual é a prioritária a resolver para se começar a estabilizar a família angolana?

A prioridade tem de ser a pres- tação de serviços básicos para que as famílias possam encontrar o mínimo de condições para viver. A saúde, a educação e habitação. São prioridades básicas. E temos todos os outros serviços, a infor- mação e outros que concorrem para a estabilidade do cidadão devem ser levados em paralelo, até porque quando se resolve um problema surge sempre outro. Tenho a casa, logo preciso de mobília, tenho o fogão, preciso da botija de gás, etc., uma necessi- dade acaba por dar lugar a outra.


No conceito de família, em regra, nas zonas urbanas falamos da família legalmente constituída, com assinatura em cartório e tudo o mais, mas nas zonas rurais não é bem assim. Existem estra- tégias do Estado para proteger as famílias que não têm assinatura no cartório?

Deixe-me dizer que nas zonas urbanas também há muita união de facto, é disso que me está a falar. Mas a lei protege. O grande problema é que as pessoas precisam de ter informação de que a união de facto também é legalizável. A constituição da família tem como base a união pelo casamento ou a união de facto, e nós sabemos que em mui- tas regiões do país, para muitas culturas, o fundamental, o mais importante é o alambamento, o casamento é um acréscimo. Mas a lei protege. Agora mesmo estou a chegar da abertura da assem- bleia constituinte da Associação das Mulheres Juristas e disse que esta associação é um parceiro indispensável para o ministério porque a disseminação da lei tem de chegar a todos os pontos. Está a discutir-se a nova Constituição e nós temos uma palavra a dizer, algumas propostas serão levadas e creio que, de facto, tínhamos de fazer esta grande associação das mulheres de carreira jurí- dica porque serão elas a escutar e a transmitir as preocupações das mulheres. Na disseminação desta informação deve-se fazer com que os cônjuges tenham a consciência de que ao unirem-se de facto devem imediatamente legalizar-se.

A LEI NÃO PROTEGE A OUTRA


Sendo a união de facto reconhecida pela lei, sendo a poligamia uma situ- ação não condenada pela lei; numa situação que é um facto, que acontece em Angola, de uma relação prolonga- da, de uma mulher com um homem casado, em que até nascem filhos, como fica a protecção destes filhos e desta mulher?

Se ele é casado, a outra relação prolongada é união de facto? Não. A união de facto tem efeito de casamento. Quer para a união de facto, quer para o casamento, a nossa Constituição reza que o casamento é monogâmico, o que significa que um homem e uma mulher formam um casal. Se uma outra mulher se relaciona com um indivíduo casado, não pode, no legislado actualmente, não pode reconhecer a união de facto. Mesmo para a união de facto ambos têm de ser livres de outras relações. A poligamia não está reconhecida, a lei diz que o casamento é monogâmico, e eu também não aprovo a poligamia nos tempos de hoje.


Mas para estes filhos a lei obriga ao reconhecimento.

Sim, a lei protege as crianças, tem que dar o nome. Todas as crianças que surgirem das relações extra- casamento, extra-união de facto, devem ser reconhecidas porque a criança não tem culpa de ter nascido.


Então a lei deixa desprotegida a mãe.

Em princípio sim. Mas não é que ela esteja desprotegida, tal como disse há pouco, é preciso que tenhamos conhecimento, porque se eu sei que o casamento é monogâmico, que eu não posso fazer o reconhecimento de união de facto juntando-me a um indivíduo que tenha mulher, casado ou em união de facto, deve ser uma opção minha. Se eu sei que o João é casado, ou que vive em união de facto porque vive com alguém há pelo menos três anos, se sei que existe essa situação, tem de ser opcional.


Trata-se da lei e quando se desrespei- ta a lei pode-se ser castigado. Quem incorre em maior castigo: o homem que trai a mulher de casa, ou “a outra”, a de fora, ou ambos?

Ambos. Não o devem fazer, e quando o fazem é de forma opcional, como disse. E de forma consciente.


Se uma mulher, ou um homem, se for queixar ao tribunal do facto de o parceiro ter outra relação, o que é crime, perante a lei, e está a faltar ao juramento do acto do casamento. Isso pode dar lugar a processo-crime?

A infidelidade, ou o adultério, é condenável.


Mas ninguém se queixa?

Ninguém se queixa.


Portanto estamos livres.

Não, não estamos livres. Ninguém se queixa, aliás, as queixas chegam quando há litígio. Havendo confli- to no casal, aí a queixa chega, não havendo …


Mas não há memória de alguém ter sido condenado por adultério em Angola, desde a independência, pelo menos? Pelo menos há a memória de haver N casos em que … nos casos de violência que se registam, haver uma grande desculpa em homicídios pas- sionais, espancamentos porque me traiu, separações por adultério, mas isso chega quando há conflito, se não há conflito (choques) está tudo muito bem, aparentemente.


Isto é uma realidade transversal à sociedade, desde o parlamento ao mercado?

São pessoas. Cada um tem o livre arbítrio, de se comportar e de levar o estilo de vida que quer. Mas nós, nessa política de resgate de valores, primamos por que haja princípios bá- sicos que devem ser observados por todos, e para serem observados por todos devemos viver em fun- ção do que nos diz a lei. Há uma lei e essa lei tem de ser cumprida. Portanto, eu, se me envolver com um homem que é casado, que tem a sua família, não posso, depois, vir queixar-me de que este indi- víduo não se está a portar como marido. Se vier uma criança, naturalmente ele deve proteger a criança …


E não é obrigado a portar-se como marido, nem mesmo tendo uma criança

A lei não diz isso. A lei não diz que ele tem de se portar como marido numa relação extra casa- mento, não diz. Portanto, é uma condição que eu aceito e que tenho de a levar nos padrões que a socie- dade ou que a própria lei define.


Falamos muito das consequências da guerra, da pobreza, das difi- culdades de emprego, habitação, etc., como sendo factores deses- tabilizadores das famílias. Apesar de tudo isso ainda temos este problema das relações múltiplas, não será este o factor maior na desestabilização das famílias?

Eu considero que não há diálo- go. Não há diálogo nas famílias e isso é a base dos conflitos. Porque mesmo havendo todos esses facto- res o que é preciso é que cada um conheça o seu lugar. Se o indiví- duo é casado, se tem mulher, ele tem de em primeiro, em segundo e em terceiro lugar, que cumprir com as suas obrigações enquanto “chefe”, ou parte daquela família. Chefe de família não, são os dois.



Sexolândia é condenável


O conceito de chefe de família cria problemas

Não gosta da ideia de o homem ser o chefe da família?

Não há chefe nenhum. O chefe de família, a cabeça da família são os dois, porque as responsabilidades no lar têm de ser repartidas. Esse con- ceito de chefe de família tem criado problemas, porque habituámo-nos, na nossa civilização, no nosso pro- cesso de socialização, que o homem é o chefe, o homem é o que trabalha, o homem é que traz dinheiro para casa .


Isso já não é assim tão verdade

Já não o é.


As mulheres já levam mais dinheiro para casa.

As mulheres trazem, já há mu- lheres a trazer mais dinheiro para casa, e quando assim acontece já é motivo de conflito. Porque o homem não concebe que ele, como chefe de família, passe a subordinar-se. Não há subordinação, é um casal com duas pessoas adultas que chegaram a consenso e foram viver juntas. Se gostaram, se amaram, se escolhe- ram, casaram e estão a viver juntas, e que sabem que a partir daí nasce uma nova família. E quais são as responsabilidades na família? São as de educar os próprios membros da família, é a de manter a coesão e a união da família. E para isso, é preciso que essas duas pessoas adultas que consentiram viver juntas e formar família tenham responsabilidades repartidas. Se eu hoje posso e tu não podes, isso não pode ser motivo de discórdia, nem motivo de conflito. Então o melhor é vermo-nos como duas pessoas responsáveis pelo acto que acabamos de assumir e que, em qualquer das circunstâncias, qualquer dos dois pode ser o apoio maior da família, dependendo daquilo que for a oportunidade de um ou do outro. É melhor começarmos a ver as coisas assim porque quando elegemos um chefe, naturalmente, todos os outros são subordinados. Se considerarmos a nossa esposa como subordinada, os nossos filhos como subordinados e todos os outros membros da família são subordinados, amanhã, se, por qualquer motivo, esse chefe não tem condição de continuar a mater a estrutura de chefia, há conflito.


Não há chefe nenhum. o chefe de família, a cabeça da família são os dois, porque as res- ponsabilidades no lar têm de ser repartidas.


Esta paridade pode ser também reconhecida na vitimização?

Normalmente diz-se que a mulher é mais vezes vítima, é vítima da força física, psicológica. E económica.


E elas não fazem vítimas também?

Naturalmente sim. Por isso é que agora tratamos da questão na perspec- tiva do género. Porque há mulheres também autoras de violência. Mas dei- xe-me dizer que as mulheres, quando se tornam autoras de violência, ela já engoliu tantos sapos, mas tantos sapos, que quando chega a hora de os mandar cá para fora, às vezes acaba sendo mais violenta. Porque toda a acção provoca reacção e a reacção acaba sendo sempre mais violenta.


E a mulher tem uma muleta do Esta- do, um ministério que é da Família e da Promoção da Mulher

A mulher não tem nenhuma muleta.


E esta Promoção é o quê? Não a temos para os homens, alguns tam- bém em situação débil.

A mulher não tem nenhuma muleta. Há um ministério com duas muletas, é para os dois.


Mas é da Promoção da Mulher apenas

É da Promoção da mulher, mas isso não significa !O que é preciso, e sabemos do próprio desenvolvimen- to da história e da socialização dos povos, e isso não é de Angola, nem de África, mas sim do mundo, as mulheres sempre tiveram um papel subalterno, sempre foram subor- dinadas ao chefe, e como subordi- nadas, relegadas a segundo plano, não era prioritário que elas fossem para a escola, que se formassem. Em algumas culturas as mulheres tinham, para se pronunciarem, de ter a autorização do homem para falar. Isso fez com que as mulheres tivessem menos oportunidades de informação e de formação.


Mas hoje, olhando para a nossa realidade, temos, provavelmente, mais mulheres na universidade que homens, mais mulheres em cargos de chefia intermédia, chefes de gabi- nete, de secção!

Ainda não chegamos aos trinta por cento.


Ainda não? Em quase tudo o que é repartição encontram-se mulheres a mandar.

É verdade. Parecem muitas mas não são. E ainda assim vamos olhar para o outro lado, ainda há muita mulher, e mesmo no meio rural, ainda há muita mulher que precisa, porque a nossa balança ainda está desequilibrada, as mulheres con- tinuam em baixo, é preciso equili- brar. Por isso falamos do equilíbrio do género. É preciso equilibrar a balança. Quando estiver equilibrada, naturalmente essas definições vão ser banidas. Quando começarmos a entender. Hoje temos mulheres no governo, no governo central, somos dez entre trinta. Entre duzentos e vinte deputados há oitenta e quatro mulheres. Nas escolas e nos hospitais são os sectores onde encontramos o maior número de mulheres, porque eram as áreas privilegiadas para as mulheres, as chamadas tradi- cionais funções do coração, que eram atribuídas às mulheres. Mas já não é assim nos meios produtivos, incluindo o meio rural, em que mais de cinquenta por cento da mão-de- obra, no campo, é da mulher. Mas é um trabalho não remunerado, não reconhecido, em que a mulher é a que tem maior intervenção mas na hora do controlo, quer da terra, quer dos recursos, quem o assume é o “chefe”, não é ela, a que trabalha. É preciso que esta discriminação posi- tiva continue, porque precisamos de acções afirmativas da mulher para equilibrar a balança.


Tem contado com a sensibilidade dos cento e tal homens do parlamento e dos vinte do governo, ou é preciso equilibrar um pouco mais para que- brar resistências?

Fazemos com que tenham sensi- bilidade.


Mas vai encontrado resistências, não encontra?

Há, naturalmente, resistências. Então são os chefes não é? O homem é o chefe. Ele aprendeu que é chefe, então encontramos algumas resis- tências, mas o diálogo é que resolve tudo, vamos dialogando, discutindo, trocando pontos de vista, começa a haver sensibilidade. Até porque nos fóruns internacionais não há assunto que não se trate na perspectiva do género, acabamos todos aprendendo. Na terceira conferência do MPLA, em 2008, houve um momento, depois da leitura de um relatório por Faustino Muteka, que as mulheres não gostaram, iam-se levantando, fizeram um sururu que levou o vice- presidente Pitra Neto ir dizer algu- mas coisas ao microfone e depois … Não fizemos sururu.


Mas levantaram um ruído!

Não fizemos sururu. Ouviram-se umas vozes!
Não fizemos sururu, defendemo- nos.

Defendemos a nossa parte. E se não formos nós a fazê-lo quem o fará por nós? Não tivesse havido aquela interven- ção e o discurso do presidente que arrancou aplausos, estavam dispos- tas a começar a cantar? (Risos) É a luta das mulheres. Note que os movimentos feminis- tas estruturados começaram nos anos quarenta cinquenta do século passado. Hoje, no século vinte e um, em todo o mundo se continua a lutar pelos direitos das mulheres.

SEXOLÂNDIA É CONDENÁVEL

Queremos melhorar, estruturar a família, os comportamentos, dar bons exemplos, seguir caminhos certos, mas assistimos, impávidos, a situações difíceis de explicar. Houve um movimento contra uma escultu- ra, foi quase uma ira feminina, teve de ser retirada, mas temos todas as semanas na televisão, no Sexolândia, um outro monumento, uma senhora que se expôs, teve relações sexuais à frente das câmaras, por dinheiro, para toda a gente ver, e apresenta um programa sobre sexo, que pode ser visto pelos jovens, não sendo nem sexóloga, nem especialista, nem estudiosa do assunto. Hipocrisia?

Mas, isso, nós condenamos. Condenamos, estamos a trabalhar com os órgãos competentes, dentro daquilo que é o nosso papel de advocacia, temos estado a chamar a atenção para isso, nos próprios média, para que …


Não há um movimento igual, e essa pessoa continua a falar para jovens.

Continuamos a fazer a nossa ad-vocacia, o nosso papel não deixa de ser feito. E eu, particularmente, não deixo de, publicamente, condenar esses actos que em nada dignificam e, muito menos ajudam àquilo que é o resgate de valores que pretendemos. Sabe que somos um colégio, e esse colégio está a trabalhar, indo buscar as melhores formas, para que possamos ir, dentro daquilo que é o resgate de valores, a todos os níveis, a todos os meios, para este problema.


Uma das preocupações do seu ministério é a questão da violência. Temos assistido, nos últimos tempos, a fe- nómenos quase que inacreditáveis, se olharmos para a nossa base cultural, de comportamentos e valores, como as violações sexuais a mulheres velhas e a crianças, isto é reflexo de que os pais não cuidam dos filhos? Vamos ter uma sociedade em que as crianças não podem sair de casa?

Há pouco falava das meninas que a custo fácil queriam ter carro, cami- solas, vestir bem, etc., mas também temos os homens que querem vida fácil, ter tudo, e para isso são capazes de remover até montanhas. Vai-se a sítios para ir buscar status, poder, dinheiro, fama. Nesses sítios são dadas muitas receitas. Por outro lado, e a exemplo de países vizinhos, criou-se na mente de determinadas pessoas a ideia de que o homem que tenha contraído SIDA, se se envolver com uma menina virgem, e quanto mais nova for, quanto mais fresco for o sangue melhor, vai curar-se, e, estando nesta globalização que fez do mundo uma aldeia, em que a informação entra nas nossas casas pela internet, pela televisão, os filmes que vemos são cada vez mais violentos. Por isso defendo que se já temos toda esta informação violenta, o que produzimos tem de ser para a nossa defesa, não pode ser no mes- mo estilo. Portanto, há uma série de factores que concorrem para isso. Por isso é urgente trabalharmos, particularmente porque viemos de um período conturbado. Devemos mobilizar-nos para uma causa de defesas. É preciso que as pessoas interiorizem que o melhor processo não é tomar um banho, fazer uma fumaça para adquirir ou conser- var determinado posto, para ter dinheiro, para ter um carro e dormir pobre hoje e acordar rico amanhã. Há relatos de jovens detidos porque matou, matou porquê? Não, porque fui ter com o fulano que me disse que para ter fama, para ter aquilo, tenho de matar quatro mulheres. Não, queria fazer o meu negócio e fui tomar um banho não sei aonde e a senhora disse que se me envolver com o meu pai o meu negócio vai correr bem, ou se o pai se envolver com a filha, esse pai amanhã sobe de posto e vai ter os carros que quer e o dinheiro que quer, e o número de mulheres que quer. Estamos num processo de aculturação, temos uma diversidade muito grande de culturas muito grande a conviverem connosco, com cada um a ir buscar a melhor forma de fazer dinheiro, etc.. Por isso digo que há muito ainda por fazer. Além dos esforços para criar estabilidade material das pessoas, com infra-estruturas, serviços, etc., essa estabilidade só é completa se espiritualmente estivermos bem, se a nossa moral estiver bem. Por isso o ministério está a desenvolver o programa de resgate de valores, a todos os níveis, para resgate da ética, da moral, o civismo que falta, entre nós. Se nos unirmos todos, conse- guiremos reencontrar-nos. Quantas desgraças não acontecem, quantos jovens andam pelas ruas, loucos, quantas mulheres e homens não se destruíram? Acidentes inexplicáveis porque vão levantar espíritos que não devem e depois lhes são cobra- dos, enfim. É uma luta.


Nos casos de violência contra a mulher, quando elas apresentam o caso às autoridades, encontram um ho- mem a atendê-las. Tem falado com o ministro do interior sobre isso?

O ministério, há uns anos, creio que em 1994, levantou a questão da criação de delegacias de mulheres, é um projecto que não foi avante mas o ministério tem trabalhado com os órgãos de investigação no sentido de que o tratamento a estas questões seja outro. Além de encontrarem homens, há a educação de que no problema de marido e mulher não se mete a co- lher, é tratado no lar. Mas agora, sim, tem de se meter a colher. Não se mete a colher se o assunto está confinado às quatro paredes, quando extrapola as quatro paredes é um problema de todos nós. Os homens polícias recebiam as mulheres e perguntavam qual é o problema, ela dizia que o marido bateu, então “ai porque isso é assunto do casal, vai para casa reúne a família e resolvam”. Às vezes até, se o marido está a espancar a mulher ao lado do polícia e este tenta intervir, o homem diz “deixa, deixa, ela é minha mulher e eu estou a resolver um pro- blema familiar”. Porque ele tem esta educação. É neste sentido que vamos trabalhando com a polícia. Hoje, o tratamento destes casos começa a ser melhor. E com a aprovação da lei contra a violência doméstica, as coisas serão melhores ainda.



Vai insistir na delegacia de mulher?

Ainda que não se criem, mas hoje a polícia já vai tendo mais mulheres e já há muitas a tratar da questão. Desde que haja sensibilidade e que o assun- to não seja visto como problema de marido e mulher, mas como crime, a situação muda. É nisso que insistimos. Por outro lado, e isso acontece até nos centros de aconselhamento, quando a mulher se vai queixar, o marido fala com a sua família, eles reúnem, pedem que se retire a queixa - como é que você vai queixar o seu marido? E os filhos? Se vai preso, ela vai lá, tira a queixa, porque é pai dos filhos, já reunimos, e depois, a própria família do marido pega nas coisas dela e põe-na na rua, porque foi queixar o filho, não presta.


Sobre o aconselhamento familiar, está envolvida uma organização feminina partidária, a OMA está a fazer essa mediação familiar dentro da legalidade? Há quem diga que de quando em vez até são durinhas com os homens.

Não é verdade. A OMA, este organismo (MINFAMU) é fruto da intervenção da OMA que foi a grande e primeira organização feminina que lutou e conseguiu vitórias para a emancipação da mulher. Até 1991, ano da abertura política, era a OMA que representava as mu- lheres angolanas nas organizações internacionais. Foi a partir dessas conferências internacionais que se sentiu a necessidade de criar órgãos que junto do Conselho de Minis- tros abordassem os problemas das mulheres. As mulheres de organiza- ções eram intermediárias, iam, por exemplo, levar uma preocupação ao ministro da saúde, se este se lem- brasse de apresentar o assunto no Conselho, tudo bem, se se esque- cesse... É aí que se pressionou para que fosse criada esta estrutura que começou com a Secretaria de Estado para a Promoção e Desenvolvimento da Mulher. A OMA foi a primeira instituição que, como resultado da sua participação nacional e interna- cional, criou os centros de acon- selhamento familiar. Estes centros não são órgãos judiciais, são órgãos intermédios de aconselhamento que ajudam os órgãos judiciais. Ajudam as famílias, informam sobre a lei. Se na base do aconselhamento, quer da OMA, como da LIMA ou das igrejas, que também os têm, se não houver entendimento, aí o caso vai para os órgãos judiciais. Quantos mais centros de aconselhamento houver, melhor, ajudam os cidadãos a tomar conhecimento da lei. Às vezes o con- flito no casal é por um mal entendido, uma coisa simples e se se conversar com eles, esclarecendo, e muitas reconciliações são feitas. Mas muitos casos que chegam aos extremos, se- paração, morte, mutilações, nunca passaram pelos centros de aconse- lhamento. É importante que cada cidadão seja conselheiro do outro.


Aconselharia a uma mulher for- mada, economicamente inde- pendente, que lavasse os pés ao marido, que o recebesse em casa “como marido”, como ainda se faz, largamente, no Zimbabwe. Isso é carinho ou submissão?

Depende. Pode ser carinho, porque o homem também pode lavar os pés à mulher, tirar-lhe os sapatos. Se não é obrigação, ou subordinação, não há mal. O facto de se ser formada, empresária ou ministra, não transforma a mulher, a mulher não deixa de ser mulher por isso, não deixa de ser mãe, es- posa, nem dona de casa. Eu, muitas vezes as vizinhas estranham quan- do me vêm a varrer a minha casa até ao passeio. Eu nem tenho, como vê, unhas compridas, trabalho em casa, lavo a roupa. Mas o importan- te é que não haja submissão, porque o homem também pode fazer tudo isso, é uma questão de diálogo e companheirismo.

PROSTITUIÇÃO TEM DUAS FACES, UMA ESTÁ OCULTA

Como se defende o direito e o res- peito às mulheres, quando estamos numa sociedade em que algumas mulheres buscam o sucesso, ou a aparência deste, a todo o custo. Todos os dias cruzamo-nos com as “meninas do jipe”, raparigas de vinte e dois anos que não tiveram carreira profissional alguma, vindas de famílias modestas e que andam com carros de oitenta mil dólares, pintadíssimas, vestidíssimas, de marca!

Quem lhes dá os carros de oitenta mil dólares? Se são de famílias mo- destas, ou médias, não têm tradição de riqueza, não têm grandes heran- ças, quem as veste? Não são outras mulheres!


Mas isso não vem perpetuar a ima- gem da mulher objecto?

Está a ver porquê a promoção da mulher? É dentro desta defesa dos direitos da mulher que devemos continuar. Porque se levanta a ques- tão, até porque o levanta de forma delicada e diplomática, mas está a falar da prostituição.


A ideia é a de que as prostitutas são as que estão nas ruas, essas outras meninas têm direito a apartamento. Claro. Mas chamamos a atenção, a prostituição tem duas faces, mas apenas uma é exposta. A outra onde está?

Vamos buscar. Vocês até têm essas máquinas (gravador e câmara fotográfica) podem ir buscá-la. E é fácil encontrar. Já me perguntaram se é preciso a presença da polícia, não é preciso, não tem que reprimir, não tem que prender a prostituta, porque há um prostituto, vamos buscá-lo, ele está nas discotecas, onde estão toda a noite e dançam, pulam, conhecem, sabem quem são, mas os homens não os tra- zem ao de cima. Nós mesmo é que vamos ter de os ir buscar. Por isso lhe digo: se não são as mulheres a defenderem-se, quem as defende? Então porque não fazemos a per- gunta da seguinte maneira: como despontaremos para o desenvol- vimento equilibrado de homens e mulheres se há homens e mulheres que se dão ao desfrute? São essas duas faces que temos de ir buscar e reintegrar na sociedade.


Falta então levantar a parte dos homens

Falta levantar, porque uma mulher sozinha não se prostitui, não faz prostituição. Se o faz é porque há um parceiro, onde está o parcei- ro? Quem é ele? Qual é a cor dele, qual é o tamanho dele? Ninguém conhece. Vai-se avaliando, se essa tem um carro de oitenta, tem um apartamento mobilado, então o tamanho do prostituto é grande, é alto, e robusto. Se a coitadinha está aí no Roque, é uma coisinha assim (pequena), o tamanho deve ser de um roboteiro, coitado. Se ela está na rua da Missão, está melhorzi- nha, então o prostituto tem estatura média. A gente vai tirando ilações por aí. Mas nunca se traz, sabemos que estão aí, coitadas, a própria so- ciedade transformou-as nisso. Elas aparecem, dão o rosto, dão a cara e as próprias mulheres condenam também essas mulheres. Mas nós não queremos condenar as mulheres, queremos condenar os homens, que continuam a fazer subsistir, prevalecer a prostituição.


A mulher não alimenta ela própria isso, não contribui, não quer ter acesso a bens ou luxos usando o corpo?

É o que estava a dizer-lhe, as sociedades trabalharam para isso. Por isso é que até deram um nome à prostituição que eu não gosto de usar, chamam-lhe de profissão mais antiga do mundo. Não é profissão, se o fosse estaria no catálogo das profissões, na listagem, não está. E, às vezes perguntam o que é que o ministério faz. O ministério até tra- balha com elas, mas esse prostituto que não tem cara, essa mão invisível, até desestimula. Quando estive na direcção provincial de Luanda, nos programas de micro crédito, nós conseguimos trazer várias jovens que estão nessa vida, e levámo- las, mas muitas delas acabaram por desistir. Desistiram porque, algumas, não queriam aparecer, mas sabemos que é o “companheiro” que diz “você vai perder tempo a ir fazer formação, vai perder tempo para receber quinhentos dólares para montar um negócio se eu te posso, até, dar mil dólares por dia? Você já viu o que vai ter de trabalhar para conseguir isso ou aquilo?” Eles desestimulam, porque querem perpetuar. Aí é que temos de ver qual é o problema desses homens, o que é que lhes falta para eles quererem tanto? E, isso, porque apropria civilização educou que as suas mulheres têm um determinado comportamento e as mulheres da rua têm outro. E essa mulher de fora, como é a mulher da satisfação de todos os prazeres, de todas as formas e feitios e medidas, então é a mulher dos prazeres. Você é a mulher rainha, de virtude a de casa, que é diferente da de fora. Nós não somos diferentes, somos todas mulheres.


Então devemos levar a mulher de casa a adoptar comportamentos que satisfaçam esses prazeres .

Não temos. Não há comportamen- tos que satisfaçam os prazeres, não é isso. Porque da mesma maneira que você vai satisfazer os prazeres lá fora, pois faça-o com a sua mulher. E se você tem muito use este muito para benefício social, abra uma escola e põe lá essas desgraçadas que por não terem escola ou oportunidade não vão, então, como você tem muito, abra uma escola. São vícios que se criaram, porque o “chefe” da família acha que ele tem todo o tempo do mundo para desfrutar, que faz parte, enquanto a mulher está no tanque. Por isso é que há homens que nem querem que a mulher tenha empre- gada, porque ele casou já com uma empregada. E há dias soube-se de um homem que queimou a mulher porque ela não fez o jantar.


Ele não aprendeu a cozinhar.

Porque não quis.


Não. Porque a mãe não ensinou, a mulher não ensinou.

Ele não quis. Quantas coisas … a mãe desses prostitutos é que os ensinam a ser prostitutos? Mas aprendem, e estão lá a fazer. Mas de certeza que nenhuma mãe os ensi- nou a fazer isso. Ele cresceu, foi para a rua e aprendeu. Então ele cresceu, sabe que precisa de comer, a mãe não ensinou mas pode aprender. Pode aprender até com a esposa. Quantas esposas aprenderam a cozinhar e a arrumar a casa com os seus maridos? E são casamentos de cinquenta anos. Fazem tanta coisa que a mãe não ensina, e não é desculpa, porque há de haver uma desculpa porque a mãe não ensinou a cozinhar? Porque a sociedade ensina a tratar homens e mulheres de maneiras diferentes. Mas é frequente as mulheres assumirem alguma culpa, dizendo que algum do comportamento do homem é estimulado pela própria educação da mãe que está mais tempo com ele. Por isso digo que não devemos procurar culpados.

Há aquela mãe que diz que se a mulher não pôs o vinco como deve ser dá-lhe uma sova, essa mulher não é para ti, devolva-a.

Nas relações de género não pro- curemos culpados. Foi a civilização que nos tornou assim, mas hoje é diferente, vamos ser diferentes.

José Kaliengue
Fonte: Jornal "O País", edição de 24-07-09

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Ngola Ana Nzinga Mbande


(c. 1583 - Matamba, 17 de Dezembro de 1663) foi uma rainha ("Ngola") dos reinos do Ndongo e de Matamba, no Sudoeste de África, no século XVII. O seu título real na língua Kimbundo - "Ngola" -, foi o nome utilizado pelos portugueses para denominar aquela região (Angola).
Nzinga viveu durante um período em que o tráfico de escravos africanos e a consolidação do poder dos portugueses na região estavam a crescer rapidamente. Era filha de Nzinga a Mbande Ngola Kiluaje e de Guenguela Cakombe, e irmã do Ngola Ngoli Bbondi (o régulo de Matamba), que tendo se revoltado contra o domínio português em 1618, foi derrotado pelas forças sob o comando de Luís Mendes de Vasconcelos.
O seu nome surge nos registos históricos três anos mais tarde, como uma enviada de seu irmão, numa conferência de paz com o governador português de Luanda. Após de anos de incursões portuguesas para capturar escravos, e entre batalhas intermitentes, Nzinga negociou um tratado de termos iguais, converteu-se ao cristianismo para fortalecer o tratado e adoptou o nome português de Dona Ana de Sousa.
No ano subsequente, entretanto, reiniciaram-se as hostilidades. Tendo os termos do tratado sido rompidos por Portugal, Dona Ana pediu a seu irmão para interceder e lutar contra a invasão portuguesa. Diante da recusa de seu irmão, Nzinga, pessoalmente, formou uma aliança com o povo Jaga, desposando o seu chefe, e subsequentemente conquistando o reino de Matamba.
Ganhou notoriedade durante a guerra por liderar pessoalmente as suas tropas e por ter proibido as suas tropas de a tratarem como "Rainha", preferindo que se dirigissem a ela como "Rei". Em 1635 encontrava-se disponível para formar uma coligação com os reinos do Congo, Kassanje.